A Poesia como Expressão de Rebeldia: Sobre la grama (1972)

 A trajetória de Gioconda Belli, conforme narrada em suas memórias El país bajo mi piel Memorias de amor y guerra, é intrinsecamente ligada à Revolução Sandinista e ilustra como a sua produção poética se tornou um ato de rebeldia explícito contra a ditadura somozista na Nicarágua.


A Poesia como Expressão de Rebeldia: Sobre la grama (1972)

O livro de poesias Sobre la grama, publicado em 1972, marcou o início da trajetória de Gioconda Belli como autora pública e contestadora. A escrita poética para Belli não era apenas arte; ela era um catalisador de mudança e consciência política e social:

  1. Gatilho para a Ação: A poesia e a conspiração irromperam em sua vida em 1970/1971, sendo que a euforia vital encontrou vazão na poesia.
  2. Afirmação Feminina e Política: A poesia foi fundamental para a escrita de suas memórias, pois "ilumina e lhe dá aptidões de luta contra a miséria e a ditadura". Ela descreve que o ato de apropriar-se de seus plenos poderes de mulher a levou a sacudir a impotência diante da ditadura.
  3. Publicação e Patrocínio: A obra foi publicada quando Belli reuniu seus poemas e, na ausência de editoras na Nicarágua, Jaime Morales Carazo, um de seus clientes publicitários (e "patrão das artes"), ofereceu-se para financiar a publicação, usando a maior parte da edição como presente de Natal de sua instituição.
  4. Reconhecimento da Transgressão: O poeta José Coronel Urtecho escreveu um prólogo elogioso intitulado La mulher que se revela, se rebela (A mulher que se revela, se rebela), destacando a personalidade transgressora da autora.
  5. Temática Irreverente: Os poemas de Sobre la grama já demonstravam a principal marca de Belli: a provocação com o universo feminino e a herança religiosa.

A Perseguição pela Guarda Nacional

A visibilidade alcançada pelo livro Sobre la grama fez com que Gioconda Belli, na época com 24 anos, se tornasse um alvo da ditadura, levando à sua perseguição pela Guarda Nacional:

  • Ameaça Direta: O chefe da Oficina de Segurança somozista, a Gestapo crioula, contactou os sócios da agência de publicidade onde Belli trabalhava para notificar que ela pertencia à Frente Sandinista. O chefe da Segurança "sugeriu" claramente que a demitissem.
  • Status de Pessoa Pública: Por ser uma pessoa pública e "burguesa", a ditadura preferia amedrontá-la em vez de capturá-la, pois a captura dela confirmaria que o sandinismo não era apenas uma "seita obscura de delinquentes".
  • Reação de Belli: Belli relata que o cerceamento de sua liberdade a fez ser mais engajada contra as misérias vistas. Ela foi interrogada pela Oficina de Segurança, mas não capturada. Essa ameaça aumentou sua ira contra a ditadura, levando-a a jurar que não seria uma observadora passiva. Belli afirmou que se entregasse ao medo, terminaria matando sua alma para salvar o corpo.
  • Vulnerabilidade e o Estado de Sítio: Belli nota que o estado de sítio, que suspendia as garantias constitucionais, estava em vigor desde o terremoto, mas que, na verdade, os cidadãos já viviam em um virtual estado de sítio antes mesmo do decreto. A experiência de perseguição a fez sentir "na pele o que significava a vulnerabilidade da maioria de meus concidadãos".

Gioconda Belli no Contexto Sandinista

A escrita e a perseguição de Belli se enquadram em sua militância na FSLN, que ela integrou ativamente a partir de 1972.

  • Luta Ativa: Ela estava ativamente envolvida no desenrolar político na Nicarágua, e sua memória individual é tecida com a sua interação em um grupo de companheiros de ideais, como Daniel Ortega, Sergio Ramírez e Violeta Chamorro.
  • Exílio e Condenação: Belli teve que deixar o país em dezembro de 1975, com o pretexto de uma viagem de férias ao México. Uma semana depois, agentes da Segurança Somozista revistaram seu escritório, e ela foi condenada à prisão à revelia pelo Tribunal Militar Especial.
  • A Literatura como Luta: Mesmo no exílio, ela continuou ativa na FSLN. No poema Huelga (Greve), escrito no exílio em 1976, ela propôs uma "greve geral" para a realização de uma mudança, sugerindo uma possibilidade que só foi alcançada três anos depois, em 1979.
  • O Triunfo e o Legado: Os movimentos sociais e as greves, como a imaginada em sua poesia, ajudaram a promover a liberdade, e o regime ditatorial de Somoza finalmente ruiu em 1979. Belli atribui à literatura o papel de apreender a realidade e a transformar, e afirma que sua participação feminina nesse processo ganha voz através de suas palavras.

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